Oração
significa uma conversa, uma súplica, um agradecimento ou um ato de louvor
diante de um ser, o qual está além da capacidade humana conhecer, que pode ser
Deus, um Santo ou uma entidade com poderes sobrenaturais.
Já
a meditação acontece quando a mente deixa de lado toda a sua tagarelice interna
sem sentido, quando o fluxo de pensamentos para, e, de repente, naquele
silêncio você tem a experiência de simplesmente estar presente; uma presença da
qual você estava inconsciente, mas que sempre esteve ali. É a presença de sua
consciência, de seu ser.
Enquanto
a oração leva a uma conexão com algo externo (um Deus, uma Entidade), a
meditação leva a uma conexão com o seu ser mais interno. Na oração a mente
conversa, na meditação a mente se aquieta. A oração leva você para fora
enquanto a meditação traz você para dentro. A oração pressupõe a crença na existência
de uma entidade divina externa, a meditação não depende de qualquer crença em
divindades externas.
Seria
a meditação uma fuga do mundo?
Krishnamurti
nos diz “Meditação não é uma fuga do
mundo; Não é atividade egocêntrica, isolante, antes, porém, a compreensão do
mundo e seus usos.”
Mas
ele também diz, “Pouco tem o mundo para
oferecer, além de alimento, roupa e moradia, e do prazer e do seu conjunto de
aflições. A meditação é um movimento para fora deste mundo; pois temos de ficar
fora dele. Aí então é que o mundo tem significação e é constante a beleza do
céu e da terra. Então o amor não é prazer.”
Em
seu “Discurso do Adeus”(João 17), Jesus se volta para o céu e fala ao Pai, se
referindo aos discípulos. Ele diz “E eu já não estou mais no mundo, mas
eles estão no mundo”
(João, 17-11) e na sequência diz “Não são do mundo, como eu do mundo não sou.”(João, 17-16). Resumindo, ele diz que os discípulos estão no mundo,
mas não são do mundo.
Osho,
que sempre priorizou a meditação, responde a uma pergunta, dizendo, “Estar no
mundo significa apenas que você estará fazendo um trabalho, que estará ganhando o seu pão, que estará vivendo com pessoas que não têm a
mesma mente que você, que estará vivendo entre estrangeiros e naturalmente se
sentirá um alienígena. Mas isso é algo pelo qual deve se alegrar. Eu não
o mandei ao mundo para se perder. Eu o mandei ao mundo para permanecer você mesmo, apesar do mundo. E esse foi o significado
da afirmação original: estar no mundo, mas não ser do mundo. Isso é tão fundamental que permanecerá inalterado.”
Como
fica para mim, simples buscador, estar no mundo, sem me perder, permanecendo eu
mesmo? E quem é esse “eu mesmo” que não pode ou não deve ser perdido?
Se
eu ainda estou no mundo da mente (como suponho estar 99,9% das pessoas) eu leio
tudo isso e, é claro, interpreto com o filtro dessa minha mente, carregada de conceitos
e preconceitos, de crenças, de ideias e projeções, de interpretações.
Para
seguir este meu raciocínio, vou citar Osho mais uma vez: “Quando dizemos que o mundo é ilusão, maya, isso não significa
que o mundo não exista. Ele existe, mas o modo como o vemos é que é uma ilusão.
O que vemos não pode ser encontrado em lugar algum. Nós criamos um mundo em torno de nós
mesmos, e cada um vive em seu próprio mundo. É por isso que há uma colisão;
mundos colidem, o seu mundo e o meu.”
Será
que eu compliquei as coisas, com mais essa citação?
Espero
que não. Eu apenas quero fazer uma colocação que para mim é muito oportuna.
E
tenho que ter humildade para reconhecer que posso estar totalmente iludido em
minha maneira de ver mundo. Mas, neste exato momento, é como eu consigo vê-lo.
E entendo e aceito que outras pessoas vejam esse mundo a partir de outras
perspectivas. Estarão elas iludidas? Eu não tenha essa resposta. E até que elas
exponham suas visões com a devida clareza e fundamentação, e eu as considere
plausíveis, eu continuarei discordando de muitas delas, da mesma forma que elas
poderão estar discordando de mim. E não vejo nenhum problema nisso.
Vou
tentar me colocar de maneira mais clara.
Eu
me vejo situado num mundo insano, num sistema que torna as pessoas insanas de
tal modo que essa insanidade nem é detectada. O sistema é perverso, impõe uma
permanente competição, uma corrida louca atrás de dinheiro e mais dinheiro, de
mais poder e mais prestígio; impõe um consumismo desenfreado, uma valorização
do supérfluo e do superficial. A busca incessante de lucros e mais lucros, faz
com que nossa agricultura e nossa indústria de alimentos estejam mais voltadas
para a dimensão negocial do que para a nutrição das pessoas. Estas pessoas, com
a correria das cidades, alimentam-se mal, dormem mal, vivem estressadas, seguem
hipnotizados pelos seus sonhos de consumo, relacionam-se mal, enfiam a cara nas
drogas lícitas ou ilícitas, e o resultado é o aumento considerável na venda de
ansiolíticos, antipsicóticos, relaxantes. A indústria farmacêutica agradece, mas
isso é terrível.
Também
vejo por trás de todo esse cenário, um jogo de poderosos grupos que dominam a
situação global e cada vez mais se enriquecem e se tornam mais dominadores. São
grupos internacionais do capital financeiro, da indústria bélica, da indústria
farmacêutica, do agronegócio, das grandes mineradoras, das companhias de
petróleo, como se fosse uma rede que se espalha, financia e controla os
políticos, para defenderem seus interesses, e os meios de comunicação para manipularem as grandes massas populacionais como um rebanho. Eu vejo também uma distribuição
de renda muito injusta, onde 1% possui tanto dinheiro quanto os 99% restantes
da população mundial, num ambiente onde ainda imperam a discriminação e a
exclusão social por razões raciais, sexuais, religiosas e etárias. Junto a
isso, um crescimento da agressividade, intolerância e violência, não apenas nos
ataques terroristas, mas nos simples comentários de redes sociais, revelando
que as pessoas perderam o respeito pela dignidade, liberdade e individualidade
alheias.
Mas
vejo também nesse mesmo mundo a proliferação de estudos e trabalho de pessoas
dedicadas a reverter todo esse processo e tornar esse mundo mais humano; vejo ainda
organizações e indivíduos se empenhando na revitalização da natureza tão
maltratada e desfigurada pela ganância capitalista; vejo o surgimento de
políticas públicas para valorizar segmentos discriminados e menos favorecidos
da sociedade; vejo movimentos que disseminam respeito à natureza, respeito aos
seres humanos, respeito aos animais; vejo ações solidárias a menores
abandonados, a vítimas de fenômenos naturais, vítimas de desastres ambientais
provocados pela sede de lucros, vítimas de ataques terroristas, vítimas de
guerras. E tudo isso tem um valor imenso.
Tudo
isso compõe esse mundo em que estou. Com suas insanidades e suas virtudes.
Para
mim, o desafio é: como estar nesse mundo, sem ser desse mundo e ao mesmo tempo
não ficar cego diante de todo esse cenário?
Por
um lado, eu estou buscando meu estado de presença, fazendo experimentos, estou
buscando e vivenciando a minha felicidade e realização nos pequenos atos, no
aqui e agora. Por outro lado, eu estou no mundo, nesse mundo que eu vejo. E,
estando nesse mundo, busco permanecer eu mesmo, em sintonia com meu centro, com
minha fonte de discernimento. Grande desafio, eu considero.
E
esse mundo que eu vejo, repito, tenho que ter a humildade para admitir que é
uma visão com o filtro da minha mente, carregada de conceitos e preconceitos,
de crenças, de ideias e projeções, de interpretações. O que aumenta ainda mais
o desafio.
Mas,
eu tenho também a opção de me alienar e simplesmente ignorar tudo que ocorre ao
meu redor. Posso mudar-me para as montanhas e viver com os pássaros e as
plantas e evitar qualquer notícia desse mundo caótico.
Posso
me comportar como certa pessoa que me bloqueou numa rede social por não aceitar
que eu (que ele não conhece pessoalmente, mas que considera espiritual) possa
postar conteúdos de política, uma vez que, segundo ele, todo político é corrupto
e, toda essa humanidade é desprezível (Como assim!!!???).
Eu
acho que seria bom se essa pessoa lesse o texto do Bertold Brecht, substituindo as palavras burro e
imbecil, que são muito fortes: O Analfabeto Político.
“O pior analfabeto, é
o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha
Do aluguel, do sapato e do remédio
Depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que
Se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil,
Que da sua ignorância nasce a prostituta,
O menor abandonado,
O assaltante e o pior de todos os bandidos
Que é o político vigarista,
Pilantra, o corrupto e o espoliador
Das empresas nacionais e multinacionais.”
Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha
Do aluguel, do sapato e do remédio
Depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que
Se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil,
Que da sua ignorância nasce a prostituta,
O menor abandonado,
O assaltante e o pior de todos os bandidos
Que é o político vigarista,
Pilantra, o corrupto e o espoliador
Das empresas nacionais e multinacionais.”
A
questão de não ser deste mundo implica questões de ordem subjetiva, de
busca espiritual, de silêncio interior, do estado de presença, do aqui e agora.
A
questão de estar neste mundo implica a compreensão do que é esse mundo e
da trama que existe por trás de tudo que podemos apontar como caótico.
Nesse
sentido, se surge um novo movimento na Grécia propondo uma alternativa a esse
sistema dominado pelo capital que tudo explora, então eu quero compreender o
que é essa nova proposta e quero acompanhar os passos desse movimento. Quero
ver se ele é exequível ou não. Talvez esteja aí uma alternativa mais humana
para este mundo.
Se
um economista como Paul Singer dá uma palestra defendendo que a sociedade
precisa da solidariedade para que as pessoas sejam mais felizes e vivam em
paz... Eu quero buscar um texto dele sobre o assunto e compartilho com meus
amigos. Acho muito legal que ele inclua o quesito felicidade no campo da
economia.
Se
o Sebastião Salgado apresenta um projeto para ajudar a recuperar o desastre
ambiental que atinge o Rio Doce, com base numa experiência bem sucedida dele
próprio na recuperação de nascentes e matas, eu quero aplaudir e divulgar, e
não dou força à condenação de alguns de que ele teria se vendido à Vale e está
apoiado pela Globo para amenizar a responsabilidade da mineradora. Se todos
pensarem assim, nenhuma proposta construtiva poderá ser implementada. Eu
acredito que existem pessoas interessadas em melhorar a vida do planeta. Quero conhecer
e dar força a tudo que vejo como proposta positiva em todos os níveis e em
todas as áreas.
Para
mim, isso faz parte do “estar no mundo”. Mas eu cuido de não me envolver “de
corpo e alma” em movimentos, partidos políticos, seitas. Eu não sou cego para
acreditar nas promessas de campanha e sei perfeitamente que a grande maioria de
nossos políticos são corruptos e oportunistas. Mas não deixo de acompanhar as
propostas, as críticas, as opiniões a respeito de medidas políticas que afetam
questões sociais, ambientais, culturais, econômicas. E compartilho tudo aquilo
que sinto como benéfico para o planeta e para os seres humanos.
Particularmente
nesse quesito – seres humanos – eu tenho procurado, cada vez mais, ser
cuidadoso com as pessoas mais próximas e também comigo mesmo, com meu corpo, incluindo
aí a alimentação, o sono, a meditação, os exercícios, etc. Busco ampliar esse
meu cuidado a todos os seres vivos, à humanidade, aos animais e vegetais.
Para
mim, não é possível buscar a espiritualidade, orando ou meditando, e não cuidar
do próprio corpo, não cuidar das pessoas mais próximas, não cuidar da
humanidade em geral. O difícil mesmo é quando a gente tem que encarar um
político corrupto, um criminoso comum ou um terrorista e fazer um namastê (“O
Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em ti”), afinal, embora cada um
tenha histórias de vida diferentes, programações diferentes, lá no fundo todo
mundo tem essa fagulha divina.
Se
nesse confuso cenário político nacional já não dá para se filiar a um partido
ou ser um fiel seguidor de um líder, porque nunca se sabe o grau de
comprometimento que este ou aquele assumiu com o financiamento de suas
campanhas, ou mesmo qual seu envolvimento com este ou aquele ato de corrupção,
eu prefiro seguir o meu caminho, identificando aqui e ali algumas bandeiras que
entendo devam ser levantadas e compartilhadas, independentemente da cor
partidária que possa trazer consigo. Gosto do movimento das mulheres pelos seus
direitos, assim como dos direitos dos homoafetivos; dos movimentos em defesa da
causa negra e dos indígenas; gosto das políticas que beneficiam os segmentos
mais desfavorecidos da sociedade, como programas habitacionais, maiores
oportunidades nas universidades, programas de atendimento médico; gosto do
trabalhos de ONGs em defesa do meio ambiente, de proteção das espécies em
extinção. Mais do que me comprometer com um partido ou um movimento político, eu
tenho optado por apoiar, da forma que sinto serem possíveis para mim, essas
bandeiras que tocam a minha alma humana.
“Parece que o homem
existe para todos estes tipos de coisas - democracia, socialismo, fascismo,
comunismo, Hinduísmo, Cristianismo, Budismo, Maometismo.
A realidade deveria
ser que tudo isso existisse para o homem; e o que fosse contra o homem, não
deveria de forma alguma existir.
Todo o passado da
humanidade está cheio de ideologias estúpidas pelas quais os povos estiveram
fazendo cruzadas, matando, assassinando, queimando pessoas vivas. Nos últimos
três mil anos lutamos cinco mil guerras, como se a vida fosse para lutar e não
para sermos criativos, não para desfrutarmos dos presentes da natureza.
Temos que abandonar
toda esta insanidade.” OSHO
2 comentários:
Muito bem dito, Champak. É com prazer que leio as suas observações, e textos, desde o inicio da publicação do boletim conexão Brasil. O mundo precisa de gente assim, com coragem de confrontar, de cara e o coração, aquilo que sente valer a pena defender e expor.
Nestes tempos que correm impera uma grande confusão de valores que se misturam rápido demais para quem vive distraído ou ocupado demais com a sua sobrevivência, ficando com pouco tempo, e até sem energia para uma reflexão mais funda. Por isso precisamos de ter alguém com essa coragem de nos ajudar enquanto andamos no mundo, seja lá qual for o nosso partido político, caso exista, ou religião. A verdade de certas coisas pode não estar evidente nessas instituições. Só quem intuiu o que ser consciente fora do mundo pode ver a verdade e ajudar os outros. Por isso também é com grande alegria que leio os textos do Osho traduzidos por si. Bem haja nessa tarefa de intervir assim, sempre! Um grande abraço. Margelino.
Grande abraço Margelino.
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