sábado, 6 de agosto de 2011

Reflexões


Para mim Osho sempre foi um bom conselheiro nas horas em que precisei.
Sempre tive muitos livros deles e, quando a situação apertava, eu costumava fazer uma brincadeira que dava certo. Eu fechava os olhos e passava a mão sobre seus livros na estante, escolhendo um deles como se fosse uma carta de tarô. Depois, também de olhos fechados eu abria a esmo uma das páginas desse livro. Quase sempre eu encontrava ali uma mensagem que se aplicava àquela situação que me apertava. Era só uma brincadeira, mas assim como no Tarô ou no I-Ching, se a gente estiver inteiro e presente no momento de jogar, parece que algo misterioso (ou científico, mas ainda não descoberto e aceito pela Ciência) se manifesta e nos dá a resposta.

Muito mais do que isso, meditação e leitura regular de livros do Osho ajudaram-me nesse processo de encontrar meu centro interior, minha fonte interna de discernimento para poder eu mesmo ver e sentir em cada momento qual o passo mais acertado a ser dado. E sei que quando estou descentrado, distraído, estou mais propenso a dar passos errados. Aprendi com Osho que se eu estou de bem comigo mesmo, se estou relaxado, e se o que faço me dá prazer e alegria, se aquilo é fácil para mim, se eu não sinto divisão interna quanto ao que estou fazendo, então estou no caminho certo. E isso não depende da opinião ou julgamento dos outros.

Muito interessante também é a percepção de mim mesmo como uma presença. Isso tem a ver com o estar aqui e agora, estar aqui neste momento presente. Se estou caminhando, eu posso me sentir caminhando. Não é eu estar pensando que estou caminhando. Não é um pensar, é um sentir. Sentir que estou presente no ato de comer ou de beber ou de fazer qualquer coisa. Poder fechar os olhos e sentir dentro de mim, sem estar pensando, apenas sentindo, percebendo, curtindo o estar aqui e agora.
No final, tudo acontece simultaneamente e nada mais são do que dimensões de um estado meditativo: a percepção de mim mesmo presente no aqui e agora; a sensação de estar relaxado e de bem comigo mesmo; o estar centrado; a sintonia com a fonte interna de discernimento; a sensação de estar vivendo fácil e prazerosamente. Tudo isso tem um nome: estado meditativo.

Hoje sinto que somente eu posso verdadeiramente saber que passos dar, que caminho abrir e seguir a cada momento. Mais do que isso, somente eu posso reconhecer nesse caminho uma sintonia (ou não) com o que meu próprio ser se propõe nesta vida. E, para isso, também sei que muita meditação é preciso. É assim que posso alcançar esse medidor interno.

A questão não é o que estou fazendo no meu dia-a-dia, ou o que faço no meu trabalho, ou nos meus relacionamentos. A questão é como estou comigo mesmo em cada situação. Estou relaxado e centrado? Estou em sintonia com minha fonte interna de discernimento e sabedoria? É nisso que tenho que colocar minha atenção. O modo como eu vou relacionar com o mundo exterior será uma conseqüência de minha paz interna e meu centramento.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Demência, senilidade ou experiência mística?


“Todo o sucesso do mundo nada significa comparado ao fracasso que no final você irá encarar, porque no final das contas somente o seu ser interior permanecerá com você. Tudo será perdido: sua glória, seu poder, seu nome, sua fama – tudo começará a desaparecer como sombras.
No fim só permanecerá aquilo que você trouxe no seu começo. Você somente poderá levar deste mundo aquilo que você trouxe.
Na Índia existe uma sabedoria popular de que o mundo é como uma sala de espera em uma estação de trem; não é a sua casa. Você não vai permanecer na sala de espera para sempre. Nada na sala de espera pertence a você – os móveis, as pinturas na parede... Você utiliza-os – você vê as pinturas, senta nas cadeiras, descansa na cama – mas nada pertence a você. Você está ali por uns poucos minutos, ou por umas poucas horas no máximo, e em seguida você se vai.
Sim, o que você trouxe consigo, na sala de espera, você levará consigo; aquilo é seu.
O que você trouxe ao mundo? E o mundo com certeza é uma sala de espera. A espera pode não demorar segundos, minutos, horas ou dias, ela pode demorar anos; mas o que importa se você vai esperar sete horas ou setenta anos?
Em setenta anos, você pode esquecer que está apenas em uma sala de espera. Você pode pensar que talvez seja o proprietário, talvez esta seja a casa que você construiu. Você pode começar a colocar uma placa com seu nome na sala de espera.
Existem pessoas – eu tenho visto isso porque eu estava viajando muito: pessoas que escrevem seus nomes nos banheiros das salas de espera. Pessoas tem gravado seus nomes nos móveis das salas de espera. Isso parece estúpido, mas é muito semelhante ao que as pessoas fazem no mundo.” (OSHO - From Darkness to Light – Cap. 2)


Semana passada, vivi a experiência de acompanhar bem de perto o desligamento de minha mãe de sua vida terrena. Sozinho com ela num quarto de hospital e estando ela sem proferir uma única palavra, passando quase todo o tempo com os olhos fechados, com uma expressão tranqüila, dediquei-me à meditação, à leitura de Osho e busquei aguçar minhas percepções e reflexões. E algumas questões afloraram.

Minha mãe foi daquelas mulheres totalmente dedicada ao lar, aos filhos, ao marido. Muito ligada à sua família de origem, de forte tradição católica, era muito trabalhadora, ativa, responsável, cuidadosa, perfeccionista e exigente. Ela cuidava de tudo em casa, sozinha. Nunca teve uma empregada ou faxineira. E durante vários anos costurava para ajudar nas despesas da casa. Era também muito possessiva, controladora, ciumenta, econômica, apegada a tudo que lhe pertencia, reservada, crítica e com dificuldades de relacionamento com estranhos. Ela era uma presença forte dentro da vida familiar e, em poucas palavras, era ela quem dava o tom e a última palavra em casa.

Ao se aproximar dos setenta anos, ela simplesmente perdeu a vontade de fazer as coisas: parou de cozinhar, de limpar a casa, de costurar. Lembro-me dela dizendo, “não consigo mais fazer nada, não tenho vontade alguma.”

Meu pai deixou o corpo quando ela alcançava setenta e cinco anos. Ela simplesmente foi se instalando na casa de suas irmãs que moravam perto. Parecia que ela estava dizendo: “a vida levou quem cuidava de mim, agora cabe a ela (a vida) se virar para arrumar um jeito para que eu continue sendo cuidada”.

Nessa nova fase de sua vida, quanto mais lhe cobravam maior interação na vida da casa, no que se refere à afetividade e ao trabalho, mais ela se fechava em seu mundo e se desligava. Sua reação passou a ser “cantarolar” sons sem sentido, como se fosse um estágio da meditação Devavani. Nessa técnica, emitimos sons desconhecidos como se fôssemos criança antes de aprender a falar.

Diante desse quadro, a solução que a vida apresentou para nós e para ela foi uma Fundação Espírita que abriga idosos. Um verdadeiro presente para ela e para nós. Além de todo o carinho com que foi cercada, ela se entusiasmou com o fato de não precisar cozinhar, nem limpar a casa, nem lavar suas roupas. A Fundação cuidava de tudo. Lá ela tinha uma casinha com dois quartos que dividia com outra companheira idosa.

Minha mãe ainda estava bem lúcida, mas eu percebia que ela passava por um crescente processo de desligamento das preocupações com o mundo. Para ela, tudo estava bom. Ela passava o dia sentada numa poltrona, observando os passarinhos que entravam e saiam da sala, observando as flores que desabrochavam no jardim, e, no máximo, reclamava de uma dor nas pernas. Via novela das seis, mas achava que tinha personagens em excesso o que lhe dificultava acompanhar a história. E dormia cedo.

Eu percebia o quanto ela tinha se transformado. Não existia mais aquela mulher ativa, controladora, que estava sempre atenta a tudo, dando conta de todas as tarefas de casa, exigindo muito de todos e de si mesma. Agora ela se tornara uma pessoa passiva, totalmente relaxada, imperturbável, desligada do mundo. Com certeza a sua cabeça devia continuar povoada por incontáveis pensamentos. Mas ela dizia que brincava ao fazer um jogo com as palavras para tentar lembrar nomes de pessoas que eventualmente fugiam de sua memória.

Há cerca de um ano, ela começou a ter umas tonteiras, uns desequilíbrios e, em conseqüência, alguns tombos. Ela passou duas semanas num hospital fazendo todo tipo de exame, mas não se chegou a um diagnóstico preciso. Desde então, ela voltou para a Fundação diretamente para a enfermaria, pois era arriscado ir ao banheiro sozinha.

Neste último ano, instalada permanentemente na enfermaria, o seu processo de desligamento tornou-se ainda mais intenso. Ela foi se tornando cada vez mais desinteressada pela vida, pelos acontecimentos. Não fazia o menor esforço para caminhar, para tomar um sol, para se alimentar, Mas estava sempre bem humorada, com expressão tranqüila, totalmente desapegada e muito agradecida por tudo e a todos. Falava o mínimo necessário, sempre repetindo “muito obrigado”, “graças a Deus”, “está tudo bem”. Já não cantarolava mais e permanecia a maior parte do tempo dormindo ou descansando com os olhos fechados.

Eu tinha a nítida impressão de que ela estava se sentindo numa sala de espera, tal qual descreve Osho na citação acima. Os presentes que ela recebia, de natal, de aniversário, ela repassava para o primeiro que a visitasse, filho, neto, ou conhecido. Ela já não fazia questão de seus objetos de uso pessoal, de estimação, suas recordações. Não guardava nada como sendo seu.

Ela me lembrava o que acontecera com a mãe do Osho pouco antes de deixar o corpo. Dizem que lhe perguntaram, “Como você está?” e ela respondeu, “Eu estou bem”. “Mas,” lhe disseram, “os seus exames indicam que você está mal e que deve estar sentindo dores.” Ao que ela respondeu, “Ah! Você está falando de meu corpo, não é? Sim, ele está com muitas dores, mas eu estou bem.”

No dia seguinte ao seu aniversário de 88 anos, ela passou mal e tivemos que leva-la às pressas ao hospital onde recebeu medicação. Passados mais uns dias, a situação não melhorou e tivemos que interná-la. Desta vez ela não retornou mais.

Nessa sua última semana internada, eu passei ao seu lado. Sentia sua respiração, algumas poucas vezes ela abria os olhos e trocávamos olhares. Eu estava ali me despedindo dela e podendo ver como ela tinha passado por um processo de limpeza, de esvaziamento, de purificação. Ela estava partindo despojada de todos aqueles traços de personalidade que a marcaram no passado. O seu olhar era puro e seu semblante estava totalmente relaxado. Ela respirava igual a um bebê recém-nascido. Parecia que nenhum pensamento lhe perturbava. Passei muitas horas em meditação ao seu lado. Nossas energias se fundiam.

Ela fez uma série de exames e o médico disse-me que esse seu progressivo estado de desinteresse pelas coisas era decorrente de uma demência que nela se instalara já havia alguns anos. Eu fiquei me perguntando se realmente aquele seu estado era demência, ou se era uma simples manifestação da senilidade ou se era uma experiência mística sem consciência, já que ela não conhecia meditação.

Eu não consigo ver nela esse estado de demência. Ela permaneceu lúcida até ser finalmente internada no hospital. Ela sabia de tudo que ocorria ao seu redor. Mas ela reagia de modo totalmente diferente dos seus velhos padrões. Eu fico me perguntando como se instalou nela esse processo de transformação, deixando de lado os seus apegos, sua possessividade, seu espírito controlador e manipulador e tornando-se uma pessoa dócil, pura, inocente. E, sobretudo, me pergunto o que teria acontecido se ela tivesse conhecido meditação, qual teria sido o sabor de seu experimento ao passar por todo esse processo de desligamento do mundo.

“Infelizmente o Ocidente não aprendeu a lição, nem mesmo agora. Ele continua trabalhando arduamente no mundo objetivo. Até mesmo um décimo de nossa energia seria suficiente para encontrarmos a verdade interna. Mesmo um Alberto Einstein morreu em profunda frustração. Nietzsche não tinha idéia alguma a respeito de como ir para dentro (meditar). O Ocidente tem sido um lugar errado para pessoas como Friedrich Nietzsche. Se ele estivesse no Oriente, ele teria sido um grande mestre, um homem de absoluta sanidade. Ele teria sido da mesma categoria, da mesma família dos Budas.” (OSHO – God is Dead, Now Zen is the Only Living Truth – cap. 1)

segunda-feira, 30 de maio de 2011

A palavra do Mestre


"A espiritualidade é exatamente como o sexo. O sexo necessita de uma certa maturidade; aos catorze anos de idade a criança estará preparada. O seu próprio impulso estará ali. Ela começará a perguntar e ela gostará de saber mais e mais a respeito do sexo. Somente então existirá a possibilidade de lhe explicar certas coisas.
O mesmo acontece com a espiritualidade: a uma certa maturidade o impulso surge; você está procurando por Deus. O mundo já está terminado; você já viveu ele do princípio ao fim, já o viu do princípio ao fim. Ele está terminado; ele não tem mais qualquer atração, qualquer sentido. Agora surgiu um impulso para conhecer o significado da própria existência. Você jogou todos os jogos e agora sabe que eles são jogos. Agora nenhum jogo atrai você, o mundo perdeu o seu sentido – então você está maduro.
Agora você precisará de um Mestre, e Mestres estão sempre aí, então não é preciso pressa. O Mestre pode não estar nesta forma, neste corpo – um outro corpo – as formas não importam, os corpos são irrelevantes. A qualidade interna de um Mestre é sempre a mesma, a mesma, a mesma. Buda disse repetidas vezes, “você experimenta a água do mar em qualquer lugar, ela é sempre salgada.” Exatamente como isso, o Mestre tem sempre o mesmo sabor. O sabor da consciência. E sempre existem Mestres, eles sempre estão por aí, assim, não tenha pressa.
E se você não terminou com o mundo, se ainda está por aí, demorando a acabar, um desejo de conhecer sexo, de saber o que o dinheiro pode trazer, de saber o que o poder pode lhe dar, então você não está pronto. O impulso espiritual não é um entre muitos outros impulsos, não. Quando todos os impulsos tiverem perdido seu sentido, então ele surge. O impulso espiritual não consegue existir com outros impulsos – isso não é possível. Ele toma posse de seu ser completo, totalmente. Ele se torna o único desejo. Somente então um Mestre pode ser de alguma ajuda para você." (OSHO - Yoga: The Alpha and the Omega – vol., 3 – cap. 8 – q. 1)

sábado, 28 de maio de 2011

Sobre a busca/não busca.


O título é uma expressão da Amras e eu agradeço a ela por um dia ter sugerido que eu criasse este blog para expressar minhas reflexões, meus comentários, minhas crônicas.
O que mais gosto nesse blog é de me sentir inteiramente à vontade para escrever o que quiser e quando quiser. Às vezes passo meses sem escrever uma linha e às vezes escrevo várias vezes numa mesma semana.
Também fico à vontade para escrever aquilo que sinto me inspirar no momento, sem qualquer preocupação de estar sendo coerente, de estar dizendo alguma verdade que toque as pessoas, de estar sendo reconhecido como alguém especial. Escrevo como sendo um desabafo, um transbordar de algo que está pulsando dentro de mim.
Muitas vezes a vida me faz compreender coisas profundas, mas eu sinto que é algo muito pessoal que quero guardar comigo. Nesses casos eu nada escrevo. Mas, ocorre de brotar um sentimento de querer expressar o que bate aqui dentro. Nem sempre com a intenção de compartilhar com quem quer que seja, mas simplesmente a vontade de expressar, de colocar para fora e depois poder ver objetivamente o texto que eu construí e que foi publicado.
E é interessante quando a gente escreve e publica. É totalmente diferente de um diário em que escrevemos e guardamos trancado a sete chaves. Quando publicamos, ficamos expostos, abrimos nosso coração, abrimos nossa intimidade. Ou, ao contrário, podemos simplesmente escrever de uma maneira cuidadosa para não cometer deslizes, com vistas a merecer aplausos e reconhecimentos. Não tem sido essa a minha experiência neste meu blog.
Eu tenho aproveitado esse blog, como um canal de comunicação para procurar me expor autenticamente, humildemente e sinceramente. Mesmo sabendo que somos traídos muitas vezes por um lado inconsciente de nosso ego, sendo falsos não intencionalmente quando pensamos ser verdadeiros.
Aprendi com Osho que “As pessoas quando estão frustradas com desejos mundanos, começam a mudar o objeto: elas começam a desejar objetos do outro mundo – céu, paraíso e todas as alegrias do céu. Mas o jogo é o mesmo, a mente está de novo fazendo você de tolo. Esse não é o caminho da pessoa inteligente, esse é o caminho do tolo.”
Assim, quem acompanha esse meu blog, pode ter observado uma mudança no foco de meus escritos. Pouco a pouco fui abandonando meu discurso mais espiritualizado, deixando de enfatizar meditação, iluminação, não-mente, e outras “aspirações do além” e comecei a descer ao terreno dos simples mortais que se reconhecem ainda no mundo da mente, das distrações terrenas, da comida gostosa, do sexo, dos jogos de futebol, da conversa boba ao redor do fogão na casa das tias, essas coisas de gente comum.
Aprendi que ao me reconhecer como pessoa comum, ordinária estou muito mais relaxado e à vontade comigo mesmo do que quando me via como alguém extraordinário, alguém que já trilhara esse ou aquele caminho, que já superara essa e aquela fase, e que já estava numa dimensão acima dos simples mortais, dos mentais, dos apegados às ilusões do mundo.
Aprendi com a minha experiência e essa experiência é minha. E só eu posso saber, ou não, o que essa experiência me diz e o que ela representa. Ao buscar ser mais simples, mais comum senti a necessidade de ser mais mundano, pois, antes, eu estava buscando ser especial e extraordinário. Sinto que isso faz parte do meu processo. Pode ser que eu esteja dando passos à frente enquanto penso estar dando passos atrás. Qual o termômetro para medir? Só eu mesmo posso saber. Não é alguém que está lendo este meu texto que irá me dizer. Esse alguém poderá no máximo fazer julgamentos. Mas isso é problema dele. O que interessa a mim é como eu me sinto nesse processo, se estou ficando mais relaxado, mais de bem comigo mesmo, mais à vontade com a vida. Para mim esses são critérios valiosos. Mas sempre a partir de minha própria percepção, da minha sensação e meus sentimentos.
Sinto que um degrau a mais na ascenção dita espiritual só é possível a partir do chão, do terreno, do ordinário, do simples e comum. E essa questão não é resultado de uma discussão, de uma troca de idéias, de um fórum a ser aberto neste blog. É uma compreensão fundada na experiência de vários anos e numa intuição mais profunda que conseguimos alcançar.
Já deixei para trás a importância que dava aos juízos e comentários de meus pares, daqueles que considerava meus companheiros de jornada. Descobri também com Osho que não existe relação discípulo-discípulo, mas apenas a relação discípulo-mestre e, é claro, a relação minha para comigo mesmo.
É a partir dessa ótica que eu agradeço a Amrás por ter estimulado que eu fizesse este blog. Ele está sendo uma grande oportunidade para eu exercitar essa minha expressão de sinceridade, de exposição de minha intimidade, de me abrir, não para A ou para B, mas simplesmente de me abrir, abrir meu coração. E eu sinto que cresço com isso.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Jogos da vida e jogos da mente.


Há poucos dias, eu revisava uma tradução do Osho na qual ele contava uma fábula do Mulla Nasrudin que queria roubar uma loja, mas ela era protegida por um cão de guarda. Mulla então sentou-se ao seu lado, fechou os olhos e fingiu dormir. O cão, persuadido de que Mulla estava dormindo, relaxou e acabou dormindo também. Mulla então aproveitou o sono do cão e roubou toda a loja. Osho nos alerta sobre os riscos de estarmos vivendo no meio de pessoas que dormem, pessoas inconscientes, pessoas que vivem feito robôs. Se não mantivermos os olhos bem abertos, se não estivermos alertas e atentos todo o tempo, facilmente entramos na mesma inconsciência, no mesmo sono, como o cão do Mulla, pois ele é contagiante.
E aqui voltamos à velha questão que nos é colocada pelos diversos mestres: ‘estar no mundo sem ser do mundo’. Como conseguir estar nesse mundo dominado pela inconsciência, pelo sono, e ao mesmo tempo permanecer alerta, atento, consciente?

Osho nos diz no livro Tao: The Three Treasures, “A vida é um jogo sem propósito, um jogo de infinitas forças – o jogo é belo, se você não tiver uma mente de quem quer alcançar algo; e é feio se você tiver a ambição de se tornar alguma coisa, de ser alguma coisa, de fazer alguma coisa. Relaxe. Abandone o futuro completamente. Somente este momento existe, e este momento é a eternidade. E esta vida é apenas tudo o que existe, não pense a respeito da outra margem.”
Minha mente lê essa frase e fica encantada, nem pensa em contestá-la. Mas olha ao redor e vê esse mundo de ambições e competições, de noticiários violentos na TV, de burocracias burras, de correrias, de desencontros. Vivemos envolvidos em relacionamentos e em tarefas do trabalho, com dores de cabeça e na coluna, comprando ou vendendo imóveis, enfrentando problemas com empregado ou com patrão, sobrecarregados de preocupações, frustrações, ansiedades, falsas esperanças, angústias.
Sei que o único problema é a minha mente. Ela é que lê e curte a frase do Osho e é ela que não consegue se desvencilhar desse mundo de problemas e ver a vida com outros olhos.
Meu desafio não é ler e curtir frases do Osho. Isso é fácil e é gostoso. Meu desafio é existencial, é estar no mundo e manter a consciência de que tudo isso que vejo através de minha mente é um jogo que se repete; e manter a consciência de que não sou essa mente que vê todo esse jogo. E ir além dessa mente e alcançar o estado de paz interna, clareza e relaxamento que me conecta com esse mesmo mundo através de um olhar de alegria, de compreensão e de aceitação, sem expectativas e sem julgamentos. Esse é o meu desafio dia após dia. Estar nesse mundo, caminhar pelas ruas, ver as bancas de revistas, esperar pelo sinal verde e atravessar a rua, cruzar com pessoas bem vestidas e maltrapilhas, trocar palavras com a atendente no café e, acima de tudo, manter-me consciente de que não sou essa mente que caminha e registra todos os acontecimentos. Meu desafio é manter-me em estado meditativo, em sintonia com o silêncio e a quietude interior, para estar nesse mundo dia após dia, sem ser contagiado pela inconsciência das pessoas, dos jogos do mundo, de suas armadilhas e promessas fantasiosas.
Isso não é fácil. Mais fácil é buscar todas as justificativas para me afundar ainda mais nesse mundo ou então para escapar dele, buscando refúgio numa caverna, num mosteiro ou mesmo numa casa de campo. Uma alternativa ou outra são jogos da mente.

Osho também nos diz (Unio Mystica - Vol. 2), “A pessoa mundana está atrás do dinheiro, ela está jogando um jogo. A pessoa ‘do outro mundo’ está atrás da renúncia ao dinheiro, ela está jogando um outro jogo. A pessoa do mundo está interessada em ser bem sucedida, famosa, muito reconhecida. A pessoa religiosa está escapando para as cavernas, de modo que ninguém a reconheça, de modo que ela se torne anônima. Mas, se você quiser ser reconhecido pelos outros, ou se quiser ser NÃO reconhecido pelos outros, de qualquer forma está focado nos outros: o jogo é o mesmo.”
Aqui eu me ponho a perguntar qual o significado deste meu retorno à minha cidade natal depois de vários anos rodando pelo mundo, fazendo e acontecendo aqui e ali, entrando e saindo de buracos negros, dando saltos, encarando obstáculos, rompendo barreiras, experienciando novas aventuras, experimentando novos sabores do viver e do gostar de viver.
Depois de sentir a frustração de algumas expectativas não cumpridas, depois de não conseguir realizar alguns sonhos, depois de ver desmoronar algumas ilusões, algumas crenças, me vi sem vontade e sem interesse em prosseguir com uma série de projetos. Decidi voltar para o local onde meu cordão umbilical foi enterrado. Isso foi há três anos.
É claro que havia aqui questões não resolvidas esperando para eu resolver, haviam nós a serem desatados, algumas sombras que me perseguiam estavam ocultas atrás dos velhos casarões dessa província mineira.
Mas voltei, proclamando que estava à procura do anonimato, que queria caminhar a esmo, como um ninguém no meio da multidão. Escrevi bastante sobre isso neste blog. Mas, em outras palavras, eu posso dizer que também estava escapando para as cavernas. Eu continuava o mesmo jogo. E ao tomar consciência disso, este passa a ser um ângulo a mais para eu considerar nesse meu desafio de estar no mundo.

Quero aprofundar um pouco mais esta reflexão sobre o estar no mundo e para isso, trago um outro comentário do Osho, extraído da série Bodhidharma The Greatest Zen Master – cap. 1: “Vida após vida, correndo atrás de dinheiro. Vida após vida, correndo atrás de poder. Vida após vida correndo atrás de homens ou mulheres. Na medida em que você se torna consciente dessa longa série das mesmas estupidezes – nas quais você foi bem sucedido muitas vezes, mas nunca ganhou coisa alguma... E cada nova vida você teve que começar de novo do A, B, C. ..
Isso cria um grande tédio para com a vida, morte e o contínuo círculo vicioso. Este é o significado original da palavra SAMSARA; ela significa que a roda que segue movendo e movendo, não conhece nenhuma parada. Você pode pular para fora dela, mas você está agarrado nela.
E existe uma grande e urgente necessidade de se fazer algo que você nunca fez antes – a busca de seu próprio Ser. Você tem corrido atrás de tudo no mundo e isso não o levou a lugar algum. Todas as estradas no mundo seguem dando voltas e voltas, elas nunca alcançam algum fim. Elas não têm algum fim.”

Lendo esse texto, não consigo falar nada. Engulo seco apenas. E paro por alguns minutos.

Quantas palavras ditas e escritas, quanta conversa “jogada fora”, quanto ti-ti-ti pretendendo ser significativo, mas no fundo sem qualquer sentido. Refletindo sobre esses toques do Osho, a gente se cala. Lembro-me daquele primeiro encontro entre Gurdjeff e Ouspenski. Ouspenski era um erudito, autor de vários livros e foi atrás da sabedoria de Gurdjeff que era um mestre. Gurdjeff lhe disse para escrever num papel tudo o que ele sabia, pois o que ele sabia não lhe seria ensinado. Ele já sabia. Gurdjeff iria lhe ensinar aquilo que ele não soubesse. Mas depois de algumas horas, Ouspenski voltou com o papel em branco; depois de algumas horas olhando para tudo que havia dito e escrito em toda a sua vida, só pode concluir que nada sabia, e que queria que Gurdjeff lhe ensinasse tudo. É como a gente se sente após a leitura desses toques do Osho.

E para concluir esta reflexão, na série Zen: The Path of Paradox, ele comenta: “O Zen diz que a mente é SAMSARA, o mundo, e que a mente é NIRVANA também. Isso é tudo um jogo da mente. Lembre-se, o Zen diz que isso é tudo um jogo da mente – sem qualquer exceção. Mesmo o seu Deus é o supremo jogo da mente, é o jogo do além. Aqui é onde o Zen é muito superior às outras religiões.
É por isso que o Zen é absolutamente silencioso a respeito de Deus. Não que Deus não exista – mas o Deus sobre o qual nós podemos falar é um jogo da mente, ele será a nossa projeção. Meera projeta Krishna, Teresa projeta Cristo, Ramakrisna projeta a Mãe Kali – mas são tudo projeções.
Uma vez que você acredita, você cria a realidade. Essa é toda a estrutura da hipnose e essa é toda a estrutura do seu mundo – o mundo em que você vive.
O Zen quer que você vá além dele. O Zen quer que você veja que a sua derrota é uma crença, a sua vitória é uma crença, a sua força é uma crença, a sua fraqueza é uma crença, você ser um pecador é uma crença, você ser um santo é uma crença. Tudo são crenças, conceitos mentais, jogos da mente. O seu Deus é um jogo do além.
Abandone todas as crenças. Então o relativo desaparece e surge o real.”


Concluindo, só o silêncio.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Reverência à Vida


Eu sempre me senti um “trator”, fazendo as coisas acontecerem com rapidez, com eficiência, apesar das dificuldades e obstáculos. Sobretudo quando tinha que encarar dificuldades e obstáculos, eu me sentia um “fazedor” por excelência.
Depois eu pude compreender que esse “trator”, esse “fazedor” tinha que pagar um preço por não respeitar o meu próprio ritmo, a minha própria natureza, as minhas sensibilidade e sensitividade, a minha intuição mais profunda. O meu “fazedor” atendia, sobretudo, às minhas aspirações mentais, meus projetos idealizados, meus caprichos, meus conceitos e preconceitos.
O meu poder, a minha capacidade de fazer e realizar parecia muito com a capacidade e o poder que a humanidade tem de criar a civilização, como tem criado, a qualquer custo. O mundo tem evoluído, sob certa ótica, mas o preço alto que paga tem se revelado nos desequilíbrios ambientais e sociais.

Quando eu pude compreender que existe uma realidade mais interna, em mim e no mundo que me rodeia, abriu-se para mim uma nova perspectiva para ver e sentir a vida e suas manifestações.
A vida tem sua lógica própria, tem seu tempo certo de fazer com que as coisas aconteçam naturalmente, ela é sábia, mesmo quando aparentemente se nos parece injusta, inoportuna e insensata. A vida é uma e está, ao mesmo tempo, em mim e no mundo que me rodeia.
As coisas podem até acontecer pela intenção de minha mente e pelas minhas ações por ela ditadas. Mas, se a minha mente não estiver a serviço de meu centro mais profundo, da minha fonte interna de discernimento e sabedoria, enfim, se eu não estiver em profunda conexão comigo mesmo, em última instância, em sintonia com a vida, é muito provável que o resultado de minhas ações e das intenções de minha mente resulte em frustração, fracasso, stress e insatisfação.

Num desses tropeços que a gente repete ao longo da vida, eu corri bastante nesses últimos dias, liguei meu “piloto automático” e tirei do meu baú o velho trator. Convoquei-o a fazer as coisas acontecerem de maneira engrenada e com rapidez. Mobilizei pessoas, enfrentei filas, atropelei burocracias, suei bastante, fiz ligações, enviei e-mails, pisei no acelerador e defini metas para serem alcançadas num prazo bem curto. Depois que todo o circo estava armado, me vi diante da porta para dar o passo definitivo. O trinco quebrou-se em minhas mãos e recebi um balde de água fria: a pessoa que iria assinar o contrato simplesmente negou-se a fazê-lo no prazo que eu havia estabelecido.

Confesso que fiquei chocado diante da negativa. Mas um passarinho soprou no meu ouvido: “imagine daqui uns meses quando você puder relaxar e curtir essa nova situação que você está construindo. Irá então se perguntar: será que era mesmo preciso todo aquele stress? Toda aquela correria? Todo aquele suor? Era realmente necessário definir metas e fixar prazos? Não teria sido possível manter o relaxamento e a curtição durante todo o percurso, durante toda a construção?”

Esse toque me bateu lá dentro. Simplesmente parei com tudo, respirei fundo, relaxei e fechei os olhos. Putz! Que confusão eu estava armando, quanta correria...
As coisas acontecem no seu ritmo próprio, no seu tempo certo. A vida tem sua lógica, tem suas razões. É preciso respeitar, aceitar, relaxar, estar receptivo, pois a vida é sábia.
Mas algo mais me bateu: a questão não era apenas aceitar e estar receptivo à vida. Mais do que isso, a vida é para ser reverenciada, a vida é maternal, é divina.
Com essa percepção, com essa compreensão, relaxei e resolvi deixar as coisas acontecerem por elas mesmas. Tirei as armaduras, desamarrei os sapatos, soltei a gravata e me joguei no açude. Deixei o corpo boiar suavemente, permiti que o movimento da água me levasse para lá e para cá. Cuidei apenas de cumprir as coisas básicas que me compete cumprir.

E para meu espanto, hoje, alguém que até então eu não conhecia tomou a iniciativa de abrir aquela porta cujo trinco havia se quebrado em minhas mãos e, despretenciosamente, perguntou àquela pessoa: “por que você não assina o contrato de uma vez?” E a pessoa simplesmente resolveu assinar no ato, sem pestanejar. E eu, que a tudo presenciava, simplesmente fiquei de boca aberta. Sem que ninguém percebesse, olhei para dentro de mim mesmo e dei uma risadinha... Essa vida é mesmo surpreendente...