sábado, 21 de fevereiro de 2009

Sábado de carnaval

Quando conheci Osho, ele me atraiu muito mais pela sua irreverência do que pelo conteúdo de sua mensagem. Fiquei muito intrigado com aquele demolidor das instituições, das crenças e das ideologias. Um homem que não queria ser inspirador nem guia de ninguém, muito menos ser líder de um movimento. Ele me desafiava a fazer meus próprios experimentos e chegar às minhas conclusões, não aceitando passivamente as conclusões dele.

Osho me atraiu mais ainda quando li ele se declarando incoerente e contraditório, porque assim é a vida. Ao mesmo tempo que eu percebia uma profunda lógica em tudo o que ele dizia, ele se permitia ser ilógico.

Com essas abordagens, Osho cutucou uma semente escondida que eu preservava com muito carinho dentro de mim. Era a semente da rebeldia que, desde minha adolescência, se manifestava, embora timidamente, um pouquinho aqui, um pouquinho ali.

Antes de conhecer Osho, um dia eu tinha acordado e percebido que admirava vários amigos pela coragem de terem rompido com as estruturas que os amarravam. E mais, eu os citava com freqüência em minhas conversas. Um abandonara a faculdade, outro abandonara a família, outro largou as perspectivas de uma carreira promissora, um foi viver às margens do Amazonas e outro foi viver junto a cachoeiras e grutas. Naquele dia, eu olhei para mim mesmo e me perguntei: E eu? Onde fico no meio disso? O que estou fazendo com minha vida? Percebi então claramente todos os nós que me mantinham amarrado, sentado numa cadeira, numa vida burocrática. Eram nós atados com os meus esforços e tentativas de conseguir segurança na vida e me prevenir contra as incertezas.

Quando conheci Osho senti nele um convite, uma provocação, um empurrão para que eu liberasse a minha semente oculta, para que eu mudasse o meu discurso, parando de citar a coragem e o salto no escuro dos outros e começasse eu mesmo a experimentar meus próprios saltos, a me expor e arriscar viver mais intensamente, a conhecer e saborear as várias nuances da vida.

Aprendi com Osho que não adianta querer segurar a correnteza do rio, não adianta querer ter certezas sobre o rumo que as águas irão tomar. A vida jorra cheia de imprevistos, cheia de riscos, cheia de incertezas. Foi uma lição e tanto.

“Liberdade significa caminhar no fio da navalha – a todo momento correndo perigo. Cada momento é um desafio vindo do desconhecido. Algumas vezes é quente demais e outras vezes é muito frio – e não há ninguém para cuidar de você.” (Osho – The Golden Future – Cap.26).

Era preciso aprender a caminhar como o equilibrista.

“A vida é como andar na corda bamba: é preciso o esforço correto e consciência para que você não caia. A cada momento existe perigo: se você se inclinar muito para a esquerda, irá cair. Sentindo que está se inclinando muito para a esquerda, você tem que se voltar para a direita, para manter o equilíbrio. E quando você se volta para a direita, chega um momento em que você sente que vai cair para a direita; então você começa a se inclinar para a esquerda, apenas para manter o equilíbrio. Esse é o esforço correto: manter-se equilibrado.” (Osho – The Dhammapada – vol.6 – cap. 3)

Precisei de um tempo, praticando essa lição, quando recebi um novo toque para dar mais um passo adiante. Foi quando li Osho dizendo que o desafio maior é curtir e celebrar a caminhada no fio da navalha. Isso foi demais.

Está certo que eu já havia aprendido (ou estava aprendendo) que viver é expor-se ao risco, à incerteza. E se não há outra maneira de se viver, a não ser caminhando no fio da navalha, então só nos resta mesmo curtir e celebrar essa caminhada. Ou seja, só nos resta estar abertos e receptivos para o que a vida nos apresentar, estar de prontidão para o que der e vier, e celebrar tudo, o frio e o quente, o sol e a chuva, a dor e a alegria, os picos e os vales. Tudo é incerto e perigoso, mas também tudo é fugaz, nada é permanente. Como diz o ditado: não há mal que sempre dure e não há bem que não se acabe.

E ao invés de querer entender os sinais da vida, ao invés de buscar uma explicação para o que está acontecendo, a grande sacada é simplesmente aceitar a vida como um mistério que se revela a cada momento. E aceitar com um sim, com alegria e celebração.
Então, nada mais nos resta a fazer senão curtir e celebrar o milagre da vida, seja neste sábado de carnaval, seja nos outros 364 dias do ano.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Surpresas da vida


Eu acabara de chegar em Manhattan.
Vinha do Brooklyn, onde, por obra do acaso, metade de meu coração resolveu fincar raízes.
Deixei o metrô e, subitamente, me vi diante da Praça da Estação.

Parecia que tudo estava do mesmo jeito... Um pouco de poeira, é claro, mas o mesmo ponto de táxi e o Cine São Luís, à esquerda. Mas não naquela sua fase decadente em que só exibia filmes pornô. Não, era o Cine São Luís onde eu assistia todos os domingos de manhã aos emocionantes filmes de faroeste e onde, diante da entrada principal, a meninada espalhava pelo chão os gibis usados para o esperado troca-troca.

Foi exatamente do velho prédio da estação da Central que vi Maria Teresa descendo as escadas. Ela vinha como uma princesa, com um longo vestido branco e com um chapéu bordado, também branco. Ela me viu e sorriu.
Ah! Pensei eu, há quantos anos esperava por esse sorriso...
Foram precisos 40 anos para que esse encontro se consumasse. Assim, desta maneira, simples e inocente, sem amarras, sem precisar pedir licença.

Por que 40 anos? Eu fiquei e ainda fico me perguntando.
Por que esperar 40 anos para realizar tantas coisas que num estalar de dedos sempre estiveram exatamente ali na minha frente?
E nesta hora eu me pergunto: quantas coisas mais eu aspiro e posso realizar e que, na minha inconsciência nem me dou conta de que estão ali à minha disposição, aguardando apenas o meu simples estalar de dedos?
Será que terei que sair pelas ruas, procurando atrás dos velhos prédios, nos becos e praças públicas? Onde estão essas coisas ou essas pessoas ou essas experiências ainda não vividas e ávidas de receberem um sopro humano, e que certamente estão aguardando por mim em alguma esquina?
Terei que ir novamente à Índia, ou estará aqui do lado, na subida da rua Antônio Carlos onde num dia encontrei Gisele, o grande amor de minha vida que no outro dia virou sorvete e derreteu?

Realmente não sei. São muitas indagações para minha cabeça. Acho melhor virar para o canto e dormir novamente. Quem sabe se amanhã a vida vai me presentear com uma agradável surpresa?